Deitado na rede, após o almoço, José Pereira Romão, ao avistar o morador se aproximando com a esposa, levantou-se da rede, de olhos arregalados. Ao vê-los na primeira tábua da escada do alpendre, estirou o dedo indicador para o casal e urrou alto: “Não aceito ladrão aqui. Quem rouba litro de leite vem roubando há tempo. Pois ordeno: deixem a casa que moram. E é pra já”.
Diante dessa inesperada gritaria do patrão, Maciel e Marleide se olharam um para o outro, surpresos. Não entendiam a trovoada de José Romão. Esperavam, como de costume, ser bem recebidos. Mas o velho, pela primeira vez, apresentava-lhes ser besta-fera. De novo, o patrão rugiu de raiva: "Vão logo e façam o que eu disse".
Coitado de Maciel e Marleide. Nove anos trabalharam para José Romão, sendo da confiança do patrão. Desde que chegaram ali e entrarem na graça do agricultor, moraram com a esposa e quatro crianças na casa de tijolo queimado, de telha das boas, a qual o patrão mandou ajeitá-la para o conforto da família.
Em pé diante do alpendre, como estátuas brancas, Maciel e Marleide se sentiram sem terra nos pés. O pensamento de Marleide brotou: qual demônio de carne e osso lançara discórdia entre eles e o patrão. Já Maciel, a se tremer na voz, desafiou o patrão: nunca teve atrevimento de desviar sequer uma agulha.
- Eu ainda vou ser bom, seu Maciel.
Ao socar dois murros na coluna de madeira do alpendre, José Romão vociferou. Iria lhe dar dia e meio para desocuparem a casa. E concluiu: "Quem perde minha confiança é como alma desenganada do céu".
Ao sentir não se adiantar nas palavras, mesmo assim Maciel pediu a José Romão prazo de três dias para ajeitar a mudança. Para alívio, conseguiu o favor do patrão. Entretanto, no segundo dia, após o almoço, Maciel se achegou sozinho ao alpendre do ex-patrão, que tirava sesta na rede. Subiu os degraus da escada, para se mostrar corajoso. Acordou José Romão com o brado de "com licença". Nem esperou o velho se levantar da rede. Entregou-lhe as duas chaves da casa. Destemido, sem se virar de costas, continuou caminho em busca dos seus. Vale ressaltar que, antes da tempestuosa mudança, Maciel conseguiu vender os móveis da casa por ninharia. Não comentou com ninguém para onde ele e a família iriam. Rumaram de coração partido, para a capital cearense.
* * *
Maciel previa José Romão um morador do inferno. Quando parente dele, ou da esposa, vinha do Cariri e tocava em assunto sobre José Romão e família, logo Maciel pedia para não adiantar conversa. Vomitava faíscas de raiva: “Vou mostrar pro judas que não sou ladrão. Nunca roubei nem uma meia-xícara de leite dele”.
O engenheiro suportou com paciência o sermão de Maciel. Ao prestar atenção ao futuro genro, doutor Antônio José olhava a toalha da mesa. Alegrou-se ao término das palavras do pai de Maria Rosa: “Doutor, você roubou nossa joia como ladrão no buraco da noite. Mas agiu como homem de bem. Estamos satisfeitos. Mas, doutor Antônio José, quem são seus pais? A Rosinha só me disse que é do Cariri...".
Naquela sala de jantar, nem Maciel, nem os seus, não se mostraram preparados para ouvirem doutor Antônio José. Ele declarou a família ser filho de José Pereira Romão e... Até Ritinha perdeu a educação.
Coitado do doutor: teve de pular a janela aberta da sala de jantar e desaparecer. A família de Maciel decretaram não se apagar as faíscas de raiva, acendidas pelo judas, José Pereira Romão.
JN. Dantas de Sousa