Sem luz, sem lucidez (Dantas de Sousa) - conto

Ao se acordar durante a madrugada, em seu sítio Jenipapeiro, professor Jacó Duarte abriu a janela da sala de visitas. Logo o vento frio invadiu o recinto. Sem luz elétrica desde o começo da noite, ele avistou a lua minguante entre poucas estrelas. A estrela d’alva piscava-lhe como a querer anunciar-lhe algo. Sem buscar entendê-la, dirigiu-se à cozinha. Ao procurar acender o candeeiro a gás, assustou-se no acender de uma lanterna em sua cozinha. Avistou, diante dele em pé, Seu Augusto Moreira, vizinho seu, dono do sítio Caridade. Segundo o ancião lhe falou, entrara na casa por ter visto a porta da cozinha aberta. Não havia visto cachorro a perambular pelo terreiro. E na pouca claridade da cozinha, Augusto Moreira alertou o vizinho: "Pra morrer, Jacó, é daqui prali". 

Como fazia dois anos e meio que o professor Jacó Duarte, solteiro, havia comprado o Jenipapeiro, ele ficou atarantado com a presença inusitada do idoso. E mais pela advertência do ancião: “Quando falta luz, Jacó, não se pode deixar faltar a luz de uma lanterna, de uma vela, de um candeeiro, ou até mesmo de um isqueiro. E isso tanto pode ser pra zona rural como pra urbana”. 

Refletiu rápido Jacó Duarte as palavras do agricultor aposentado. Palavras de sabedoria de um bom conselheiro. Era por isso que apreciava conversar com Augusto Moreira. E, entre uma palavra e outra, o idoso concordou beber o café de Jacó. 

Antes de Jacó terminar de coar o café, Augusto Moreira, sentado na mesa da sala de jantar, relembrou-lhe o que lhe havia comentado instante atrás. E, em seguida, abriu a cortina da sua memória: "Me lembro muito bem do ano de 1972. Ano de seca braba no Nordeste. Aqui nesta sua casa, aconteceu uma tragédia". E deu uma pausa no que havia dito para observar o professor botar o café nas duas xícaras. Mas como não viu alguma reação de Jacó, voltou ao seu comentário: “Como é que tem cidade daqui do Brasil ainda sem luz? O homem não consegue mais viver na treva. Quando a luz das estrelas iam ficando fraca, ele inventou a fogueira. Depois, passou pra vela, lamparina, lâmpada de gás e lâmpada elétrica”. 

Augusto Moreira elogiou a energia elétrica, mas que ela estava muito cara no Brasil. E após beber o gole de café, retornou a falar: “Pra quem não sabe, Jacó, no escuro, na treva, até com simples isqueiro na mão qualquer pessoa pode se salvar. Pois foi por causa de um isqueiro que…”. Pedindo licença a Augusto Moreira, propôs-lhe o professor que ele narrasse sua história após o término do café, pois iriam se sentar no alpendre da frente da casa. 

Já sentados em duas cadeiras de balanço, no alpendre do sítio Jenipapairo, durante a madrugada de ventinho frio, Augusto Moreira retornou ao que falara antes: "Por falta de luz, dona Jasmilinda Vilela, a viúva dona deste sítio, quase que morria. Ela se achava no quarto de dormir, o que você dorme, durante a madrugada". 

Dona Jasmilinda só sabia se defender munida de vela ou caixa de fósforos. Mas na noite do acontecido, ao faltar energia elétrica... Naquela época, muitos municípios do Nordeste havia apagão, sobretudo na zona rural. Dona Jasmilinda sentiu falta da vela e da caixa de fósforos. De repente, ela se valeu do isqueiro do falecido marido, ao lado da cama, sobre a cômoda. Era costume do falecido se levantar pela madrugada, para dar uns tragos no cigarro de rolo de fumo, enquanto dava a sua mijada no terreiro. Pois foi no claro do isqueiro que dona Jasmilinda se alarmou, ao avistar a cara dourada do ladrão. E os seus gritos, clamando por socorro, dentro do quarto, produziram duas situações inesperadas e de modo instantâneo.  

A primeira foi por causa da adolescente, chamada Ana Lúcia, que viera de Recife passar as férias escolares de julho no Jenipapeiro, na companhia da avó e do seu pai, Aldenor Vilela, que era separado de sua mãe. O assombro da avó, com medo do ladrão, fez a adolecente pular da cama e se atirar pela janela, para fora da casa.

A segunda porque Vilela, ao ouvir o clamor da idosa mãe dentro de casa, mais que depressa abandonou a tocaia, onde ele queria pegar o animal que comia criação sua. Na semiescuridão da noite e na aflição, Vilela atirou com o fuzil papo-amarelo, do seu falecido pai, em direção do ladrão, que pulara pela janela.

- Viu, professor? Faltou luz, e Vilela não quis saber de lanterna nem de vela, nem de isqueiro. Com arma na mão, sem luz e ainda sem lucidez, aconteceu a tragédia. - E concluiu: "Arma serve pra se defender, mas o satanás tira do homem a lucidez. 

 No instante de silêncio, veio a vontade dos dois amigos beberem o café que ficou na garrafa. Serviram-se dele. Voltando-se para as cadeiras do alpendre, Augusto Moreira anunciou ao professor Jacó que faltava ainda terminar a história trágica. E lhe relatou que o fuzil papo-amarelo, do falecido pai de Vilela, veio ao mundo só para fazer besteira. Era arma batizada pelo maldito. O primeiro dono dele, e que vendera para o pai do imprudente Vilela, inaugurou papo-amarelo matando um urubu. Segundo comentavam, se fosse contar o que papo-amarelo ajudou os outros a cometer imprudências, dava até para se fazer um romance. E Augusto Moreira resumiu feitos do fuzil papa-amarelo, como defender propriedade da fúria de ladrão e da avareza de bichos. 

E finalizou o último feito de papo-amarelo: num fim da tarde de sábado de 1972, Vilela alisou que alisou o fuzil dentro do quarto onde a filha pulara a janela. Ainda amargurado pela morte da filha, sem lucidez devido ao porre de bebida alcóolica do dia, botou papo-amarelo dentro de sua boca e apertou-lhe o gatilho.    

JN. Dantas de Sousa

Texto literário de Dantas de Sousa - conto

Texto literário de Dantas de Sousa - crônica

Texto literário de Dantas de Sousa - poema

Literatura do Folclore: Conto

Literatura do Folclore: Ditado e Provérbio

Literatura do Folclore: Qual o cúmulo de...