Após seis anos, morando na capital
paulista, a vida de Manuel Nogueira Couto Filho (conhecido em sua cidade natal
por Coutinho), mudou totalmente. Ao regressar para visitar a família, os pais
de Coutinho quase não reconheceram o filho. Os parentes, amigos e amigas, além
dos conhecidos se apavoraram com a transformação de Coutinho. Aumentaram os
olhares de reprovação para com o filho mais velho do conservador doutor Manuel
Nogueira Couto.
Que acontecera com aquele rapaz
bem-nascido, bem-criado numa família tradicional do lugar, tida como educada e
defensora das tradições, interrogava-se o povo daquela pequena cidade
caririense. No entanto, ninguém conseguia a resposta para aquela mudança brusca
de Coutinho.
Até a chegada do filho do amável
cirurgião Manuel Nogueira Couto, não se percebeu alguém tão ousado para se
transformar do jeito de Coutinho. O rapaz andava de cabelos compridos até ao
ombro e assanhados, barba tomando de conta do rosto, sandálias de tiras de
couro, bolsa de couro a tiracolo, calças jeans surradas, camisetas com
estampas, como a mais usada: a vermelha com o rosto de Che Guevara. Além de uma
boina, que terminou fazendo moda entre os audazes companheiros de Coutinho.
Outra atitude que também chamou a atenção foi de Coutinho viver agarrado ao
fumo. Sobre bebida alcoólica, o rapaz, antes de ir para São Paulo, bebericava
com colegas. No entanto, ele se exagerava no consumo de bebida alcoólica. E o
mais impressionante: seu modo de se expressar. Falava rápido, alto, usando-se
de palavras e frases populares, gírias e lugares-comuns, as quais deixavam os
conterrâneos adolescentes aturdidos para o entenderem.
Era, portanto, de se esperar que
Coutinho se tornasse, na cidade, personagem com forte índice de rejeição por
parte dos pais, que passaram a advertir os filhos para não andarem com o
libertário, revolucionário, ou “hippie” do
doutor Manuel Nogueira do Couto. Devido ao maldoso falatório, dona Faustina
Couto decidiu aconselhar o filho a não se comportar daquela maneira. Ela lhe
pediu, com autoridade de mãe, para ele mudar de imediato seus hábitos esquisitos,
como o jeito desleixado de se vestir e de se comportar diante do povo.
- Que nada, dona Faustina, revidou-lhe
de voz alterada. - Não dou satisfação a gente dessa província. Aceite, ou fique
cada qual na sua. O mundo mudou, tá ligada.
Dona Faustina Couto arregalou os olhos
ao ouvir o filho não lhe chamar de mamãe e, ainda, com aquele “tá ligada”. Pior
ter de assistir ao filho lhe passar no rosto que o mundo havia mudado. Insistiu
a Couto Filho reintegrar-se aos tradicionais e virtuosos valores. Terminou pedindo
ao filho para ele visitar padre Conrado.
- Não tou a fim de padre, dona
Faustina. Isso não faz minha cabeça.
Depois dessa conversa, a casa dos pais
de Coutinho virou de pernas para o ar. Entretanto, para não entrar em poço de
discussão, os pais decidiram se calar para refletirem como agiriam. Pediram à
única filha para não se acompanhar com o irmão.
Mesmo submetido às regras rígidas da
família, mesmo tentando Coutinho provar na sociedade ser formado em História,
na renomada universidade estadual de São Paulo, somente os jovens acataram-no como
ídolo. Suas palavras, linguagem, ideias, que para adolescentes fossem difícil
de digeri-las, apresentavam-se mais saborosas para propagá-las. Já o vestir-se
de Coutinho virou moda. Rapazes e moças não só buscavam querer imitá-lo, mas
também deram início à criação de modelos de roupa e calçados.
A partir da última semana de novembro
de 1973, a cidade se tornou marco de nova civilização, como se referia padre
Conrado à dona Faustina Couto, em conversa na sala de jantar da paroquiana. Por
sua vez, a população se uniu para protestar que a mudança de hábito remexeu de
modo abrupto com a vida do município. As famílias sofriam como nunca se viu no
município. No entanto, o pequeno comércio, sobretudo lojas de roupas e bares,
começou a se deliciar no lucro. Também a vida noturna do local se tornou
agitada, bem frequentada por jovens avançados. Iniciaram-se em ritmos musicais
estrondosos e barulhentos, os quais doíam ouvidos dos mais velhos.
Todo o transtorno se dera no espaço de
três meses, já que Coutinho viera passar as férias de trabalho de um sindicato.
No entanto Coutinho, ao retornar para São Paulo, deixou herança para amigos,
algo que chocou o diocesano padre Conrado.
A tal herança frutificou-se. Surgiram
ávidos leitores e militantes progressistas. Política e religião eram assuntos
preferidos entre jovens. Na nova concepção de vida deles, os políticos deveriam
se transformar. A sociedade tradicional, conservadora e cristã, necessitaria de
aceitar a revolução. Mas eram retrógrados porque eram burgueses, capitalistas, enganadores
do povo ignorante e da oprimida classe trabalhadora. Só pensavam em lucro,
aumento da própria riqueza. Já a religião, conivente com burgueses, era o ópio
do povo.
Por causa dessa última opinião que
padre Conrado descobriu a desgraça do maldito e nefasto socialismo-comunismo
haver seduzido os jovens da sua diocese e de outros municípios caririenses. A
onda vermelha, ateísta, que vinha da URSS, da China, de Cuba e de outros países
pobres socialistas, havia retornado ao Cariri cearense. O padre conseguiu ter
em mãos quantidade considerável de folhetos, revistas, jornais e até livros de
comunistas, os quais haviam sido distribuídos por Coutinho.
Mais que depressa, padre se valeu do
bispo diocesano. Denunciando a lavagem cerebral no município, doutrinado pelo
materialismo ideológico marxista. Famílias se mostravam atônitas, diante da
desintegração dos lares católicos. Tudo por causa do fantoche vermelho, filho
mais velho do queridíssimo doutor Manuel Nogueira Couto, haver estudado em São
Paulo, cursado História e se tornado militante de sindicato e do partido
socialista.
Entretanto a grande revolução de
Coutinho, de modo trágico, parou para sempre. Durante passeata política, em outubro
de 1984, uma bomba caseira ceifou a vida do filho mais velho do doutor Manuel
Nogueira Couto, numa avenida da capital paulista. A família de Coutinho jamais
descobriu o paradeiro do idiota útil, um fantoche vermelho da ideologia
foice-martelo.
JN. Dantas de Sousa