Em cada aproximação de término de ano, todos
desejam vida nova. Na mídia, na rua, por toda a parte, só se ouvem pessoas a
querer algo de bom no novo ano. Procuram comprar presentes, reformar
casas, planejar viagens… Sonhos e metas que se entrelaçam dão ânimo à
vida. Mas, para o dentista Vantuil Bonfim, assuntos como esses não lhe
interessavam.
No penúltimo domingo do mês de novembro
de 2012, Marcos Vilar foi convidado pelo empresário de joias Cornélio
Matos para acompanhá-lo a uma visita na residência de Vantuil Bonfim, no centro
de Juazeiro do Norte. Na tarde do mesmo domingo, dirigiram-se os dois amigos para
lá, de carro. Ao final da visita, durante a despedida, o dentista, com
emoção, convidou o advogado Márcio Vilar a visitá-lo, telefonando-lhe antes.
A visita com o amigo Cornélio
deixou Vilar perplexo ao extremo. Saiu de lá não só atormentado, porém
curioso para saber mais sobre aquela previsão, tida pelo Vantuil Bonfim como
certíssima de acontecer. E o destino preparou Márcio Vilar. Na primeira
semana de dezembro, Vilar se encontrou com Vantuil Bonfim numa agência bancária
de Juazeiro do Norte. Os dois concordaram a visita na residência do dentista,
às dezoito horas.
Durante a visita, percebeu Vilar
atentamente ser Vantuil Bonfim um intelectual apaixonado por suas ideias. Vivia
ele imerso em leitura. Havia muitos livros dispostos em estantes ou espalhados
em seu gabinete de leitura, que Vantuil Bonfim designou o quarto atrás da casa,
para não sentir o barulho do mundo físico. Mostrava-se mais apegado à leitura e
ao estudo de espiritualismo do que à sua profissão de odontólogo. Enquanto
conversava, ele transparecia ser conhecedor de espiritismo, esoterismo, gnose,
rosacrucianismo, cultura hindu, egípcia e chinesa, astrologia, além de ciências
ocultas e maçonaria.
Por outro lado, Vantuil Bonfim impressionou
Vilar por ser inimigo ferrenho do judaísmo, a denotar evidente antissemitismo.
Como também da Igreja Católica Apostólica Romana e sua doutrina cheia de erros.
Para ele o clero e a hierarquia do catolicismo, sobretudo papas, eram homens
perigosíssimos, farsantes e manipuladores. Não admitia homem de carne e
osso, enfeitado e arrodeado de riqueza, fazendo-se de casto e puro, a desejar
fama e ser reconhecido por ignorantes e analfabetos. E terminou a sua longa
crítica ao catolicismo com esta declaração: "O Mestre hebreu fora
somente um profeta, um espírito iluminado, um avatar, tendo ele passado por
muitas reencarnações, através de mundos adiantadíssimos, até encarnar neste
nosso pobre e atrasado planeta".
Enquanto falava como se fosse para si
mesmo, Vantuil Bonfim se mostrava nervoso ao comentar sobre o que iria ocorrer
no dia 21 de dezembro de 2012. No gabinete de leitura, de porta fechada, janela
aberta para receber eflúvios que vinham do além, ele confessou ao Vilar que,
nessa data fenomenal, iria ocorrer fatos que alterariam o curso da história da
Humanidade. Sentado na ponta da cadeira de balanço, referiu-se com
convicção: “São profecias maias, meu irmão Vilar. Estaremos, nessa data, a
começar a viver o Sexto Ahau, isto é, o Sexto Sol, que começará nesse próximo
21 de dezembro de 2012”.
Sem parar de falar, Vantuil Bonfim
discorreu que o magnetismo do nosso planeta Terra seria alterado e abateria
sobre ele um gigantesco planeta, ou um imenso asteroide, dando lugar a uma
acelerada atividade solar sem precedentes, além de ocorrerem estranhas
conjunções astrais de caráter planetário e alinhamento da Terra com o Sol e o
centro de nossa Via Láctea. Sem descartar, por fim, que receberíamos uma
potente radiação luminosa com origem no centro da galáxia.
Ao vê-lo pausar a fim de acender o cigarro
na janela aberta e, em seguida, soltar longa baforada, Vilar aproveitou para
alertá-lo de que essa e outras profecias não constituíram novidades na história
da Humanidade.
Enquanto ele puxava depressa tragada
após outra, Vilar lhe explicou que, ao longo dos séculos, foram muitos
pseudoprofetas, alardeadores do fim do mundo, os quais geraram grande
inquietação entre os mais crédulos. Afirmou-lhe que se banalizou as
profecias do mundo se acabar. Relembrou-lhe Vilar a profecia para o ano de 989,
na Europa medieval, quando no avistamento de um cometa, a fé popular pensou na
iminente segunda vinda de Jesus, depois de cumpridos mil anos de Seu
nascimento; a profecia para o ano de 1033, no milésimo aniversário da Paixão, Morte
e Ressurreição do Senhor Jesus; a profecia para o ano de 1843, segundo o
fundador da Igreja Adventista, um norte-americano; as profecias das Testemunhas
de Jeová; a de um pastor coreano, para o ano de 1992. Não se esqueceu, por fim,
de lhe alertar que, durante a década de 1990 e início dos anos 2000, ocorreram
muitos atentados, fatos violentos e grande número de suicídios em massa,
motivados pela crença da iminente chegada do fim do mundo.
- Eu sei, eu sei disso, meu irmão Vilar,
penetrou na conversa doutor Vantuil Bonfim, após jogar o resto do cigarro pela
janela e acender outro. - Sempre existiram seitas, assegurando que o Advento do
Messias estava próximo. São esses loucos, são esses míticos charlatães e
espertalhões que, como ocorrem desde tempos remotos, se beneficiam da
credulidade de uns tantos incautos.
A olhar fixamente para
Vilar, lembrou-se das profecias enganosas, todas de fundo religioso, todas
provindas do cristianismo e motivadas por essa religião cheia de superstição. E
completou: "Agora, a que eu lhe anunciei, essa sim, acontecerá, uma vez
que está ligada à cultura maia, onde existiram muitos homens cultos e
estudiosos".
Depois de Vantuil Bonfim falar durante
duas horas e vinte minutos, o paciente Vilar lhe alertou o relógio da parede a
aproximar da meia-noite. Mas teve de aguentar o dentista: "Deixe passar da
meia-noite, meu irmão. É a hora de concentração das forças do Mal atacarem os
seres humanos".
Ainda Vantuil Bonfim quis se esticar em
seus assuntos espiritualistas. No entanto, Vilar se achava cansado, pois o
odontólogo não havia pausado a conversa para lhe oferecer um copo de
água. Ainda bem que dona Ana Bonfim alertou o esposo da hora adiantada.
Mostrando-se insatisfeito com o alerta
da esposa, Vantuil Bonfim conduziu Vilar até a porta de saída da casa, sem
parar de falar. Antes de se despedir do convidado, e sem prestar atenção a
noite silenciosa da rua, ele concluiu seu converseiro: "Você vai ver,
você vai ver, meu irmão Vilar. São profecias de uma civilização milenar,
que são os maias. Elas se realizarão, com certeza. Boa noite e volte sempre”.
Só que doutor Vantuil Bonfim desistiu
de esperar a profecia dos maias. Na sexta-feira de 18 de dezembro de 2012,
antes do almoço, dona Ana Bonfim telefonou angustiada para Márcio Vilar, a fim
de ele tomar conhecimento e avisar também ao Cornélio Matos que seu esposo
Vantuil se enforcara pela manhã de sexta, antes do café, na mangueira do
quintal de casa.
Devido a isso, após o sepultamento do marido, dona Ana Bonfim mandou tocar fogo em tudo o que havia no gabinete de leitura de Vantuil Bonfim. E, em seguida, ordenou seu funcionário de confiança destruir o gabinete e reformar o quintal. Para ela, em cada aproximação de término de ano, todos desejam vida nova.
JN. Dantas de Sousa