Ivaneck, homem ingênuo, de coração generoso e alegre, era servo do
palácio de um rico senhor. Uma vez, com o carro do patrão, puxado por dois
negros muito fortes, foi até o bosque, a fim de trazer lenha. Ao regressar
sozinho, passou diante do moinho de Bartek.
O bom moleiro, Bartek, tinha um temperamento alegre e gostava da
companhia dos amigos e das conversas amenas e honestas. Oferecia, sempre que
vinham visitá-lo, copázios cheios de boa cerveja, de sua fabricação.
Ivaneck fez parar os bois. Desceu, com um pulo, do carro. E entrou no
moinho. Mais eis que, no mesmo instante, se retirou horrorizado. Bartek, o
alegre parceiro, jazia em terra, imerso numa poça de sangue.
Ao redor, reinavam a desordem e a confusão. Móveis fora do lugar, sacos
rasgados ou revirados, montes de farinha esparramada aqui e ali. Um verdadeiro
caos.
Ivaneck tratou de recompor-se e vencer o primeiro impulso de terror. E
voltou para examinar o pobre homem. Estaria morto já o pobre? Poderia talvez
ser reanimado. Enquanto o simplório, perplexo, observava o rosto do amigo, dois
policiais irromperam no moinho.
- Já tínhamos sido informados, disse um deles, que este lugar havia
cenário de um crime. O que não podíamos nunca imaginar era a sorte de ainda
apanhar o culpado.
Ivaneck não compreendeu o que ele dissera:
- Venham me ajudar a socorrer o meu amigo, se ainda houver socorro para
ele.
- O quê? - bradou um deles, bastante vermelho, de tanta raiva. - Você é
o criminoso do tipo cínico que, depois de tirar a vida de um pobre homem, ainda
tem a coragem de falar em socorrê-lo.
O bom servo olhou espantado para o acusador. Ele, assassino?… Como
poderiam aqueles dois senhores, que representavam a lei, e que por isso
deveriam ser paladinos da justiça, guardiães do bom-senso, pensar sequer que
ele tivesse matado o moleiro? As duas autoridades não estavam compreendendo
nada. Só bastava apenas olhar-lhe a face e ver que ele não havia matado
ninguém. Logo ele, que era incapaz de matar uma mosca. Deveriam os dois
estarem, certamente, gracejando. Ou talvez estivessem mangando com ele, com o
fito de amedrontá-lo.
Mas os policiais lhe tiraram toda e qualquer ilusão, quando o agarraram
e lhe passaram as algemas nos pulsos. Depois, levaram Ivaneck até o juiz.
O juiz, mais truculento e menos perspicaz que os subordinados, condenou
Ivaneck à morte, por assassínio. E a execução deveria realizar-se
imediatamente, na praça da vila.
O carrasco apareceu logo, a fim de preparar o patíbulo: um tablado, um
cepo de madeira, um machado afiado e cordas, para serem amarradas nas mãos do
condenado.
Ivaneck, uma vez que não podia esperar justiça dos homens, invocou a
Cristo, diante das autoridades:
- Meu Senhor, tu és a luz. Meu Cristo Jesus, só o Senhor que lê nas
almas dos homens. Me mostra, agora, com um milagre, a minha inocência.
Salva-me.
Quando chegou à hora da execução, a praça estava lotada. O carrasco,
agarrado ao machado bem afiado, atirou-o, com feroz violência, ao pescoço do
pobre rapaz. Mas, para assombro de todo o povo, a cabeça de Ivaneck não caiu no
tablado. Ficou, milagrosamente presa ao pescoço de Ivaneck, e sem nenhuma
arranhadela sequer. Milagre! Milagre! - ouviram-se vários gritos. Então, o
carrasco, mais furioso que antes, tentou o segundo golpe. Mas a lâmina, que o
carrasco afiou com capricho, se embotou, como se tivesse golpeado uma placa de
ferro.
Diante daquilo, o carrasco, aterrorizado e humilhado pelo fiasco, saiu a
correr, numa disparada, e envergonhado pelas vaias da multidão.
Muitos jovens, imediatamente, se atiraram ao cadafalso, desamarraram os
pés e as mãos de Ivaneck. E o carregaram em triunfo, chamando-lhe santo.
O juiz também seguiu o exemplo do carrasco: tratou de fugir, antes que o
povo desse pela presença dele.
Ivaneck, depois da terrível aventura e da milagrosa salvação, retirou-se a um bosque. E, ali, viveu, nutrindo-se de ervas e de frutas silvestres, até completar cem anos. Dava ele nobres conselhos aos que o procuravam. E, ainda, falava com Deus. Quando morreu, todo o povo da Polônia chorou a sua ausência.
