Em meio à reunião sobre o Folclore, professor Gilberto mais falador entre cinco mestres da cultura popular declarou ser João remexe-bucho figura folclórica em Juazeiro do Norte. Ao que foi rebatido por Damião dos-versos, que João caracterizou-se na sociedade como figura burlesca, pitoresca.
A opinião dos dois senhores atraiu curiosos do assunto: tanto conhecedor do Folclore ou não. E como no local onde os dois estavam presentes houvera a semana de comemoração do Folclore, ocorria naquele 22 de agosto a celebração do Dia do Folclore.
Damião-dos-versos antecipou-se ao amigo Gilberto: a pessoa João remexe-buxo identificava-se ser indivíduo, cidadão, originado de família, ou de conluio de homem com mulher. Logo, ele não foi personagem de um escritor, conhecido ou anônimo. Ao contrário, o João se fizera o João remexe-bucho.
Perdeu João seus documentos. Nunca se decidiu em tirar seus documentos. Daí que designaram João viver sem origem, porém de diversos lugares, expressados pelo povo. Seu passado se constituía de fugidias lembranças dele na convivência com a população de Juazeiro do Norte. Entretanto, João fazia brincadeira de moleque: seu acentuado bucho ele mexia e remexia, subia e descia. Disso se originou o novo nome: João remexe-bucho.
Como na reunião cultural havia no auditório palestra e outros métodos de oratória, o diretor da amostra cultural convidou Damião-dos-versos para ele explanar ao público sobre João remexe-bucho, uma vez que havia o local da exposição do recente falecido João remexe-bucho. Ao aceitar ir ao auditório, professor e poeta Damião de pronto apareceu no recinto, lotado de jovens e adultos.
O professor de Literatura Damião Feitosa não se intimidou com a plateia. Ao receber o microfone, apresentou-se e agradeceu à instituição cultural ao escolhê-lo para divulgar o Folclore, arte e ciência. Em seguida da sua introdução sobre Folclore, floreou ele passagens de João remexe-bucho pela cidade.
A primeira ocorreu no meio familiar de Damião. Logo que apareceu na residência de seus pais, o pedinte pôs um nome à sua mãe: Minha madrinha. Dona Antônia não se importou nem reclamou. Dava-lhes todas as vezes almoço para João. Empregadas dela se empenharam em lhe dar prato de comida, fruta e copo só dele de água ou suco. Quantas vezes João remexe-bucho atirou no meio da rua prato com comida, ou com resto de comida, ou até prato vazio. Além de fruta, de copo de água ou suco, cheio ou vazio. As empregadas faziam o alarido, corriam contar a Dona Antônia. Mas, na próxima, a patroa recebia João alegre.
A segunda ação de João remexe-buxo se resumia ao ter ele mania por avião. O povo o alimentava de fotografia de avião, de avião de feira, de avião de lata usada, e feita com pedaço de flandres. Ele criava avião e lhe dava nome. Certa feita, João contou a Damião que iria fazer um avião para viajar para o exterior a fim de se vingar dos aviadores do estrangeiro, os quais vieram a Juazeiro do seu padrinho, para acabarem com a cidade. Segundo o maluco, os aviadores fugiram, mas ainda pensavam em voltar.
Ainda, Damião dos-versos relembrou que João remexe-bucho pouco falava, porém muito resmungava. Reclamava do povo de Juazeiro do Norte a se importar com sua vida. Como o negro só andava de pés descalços, muitos o aconselhavam a calçar sandálias, pelo menos, devido a ele contrair doenças. A vestir calças melhores, para não aparecerem as partes íntimas. A não comer com as mãos sem lavá-las, e se usar pelo menos da colher. E o melhor pediam a ele não dormir ao relento, diante do perigo de animais, bichos peçonhentos, gente do satanás. Quando lhe deram o par de sandálias novinhos ele as recusou, mesmo sendo 50/55, feitas em fábrica somente para ele calçá-las.
Para não se alongar, Damião dos-versos pausou por instantes para beber água e observar a plateia absorvida de João remexe-bucho. Damião ainda completou terem existido, na história juazeirense, muitos psicopatas que vinham e moravam em Juazeiro do Norte. E por fim concluiu: João remexe-bucho faleceu sem haver entrado em consultório, sem ser internado em hospital. Levaram-no para uma cova anônima, sem ninguém saber o local.
Contudo, o que mais chamou à atenção do público da amostra cultural deu-se com a quantidade de fãs de João remexe-bucho, o pitoresco juazeirense, na exposição.
Até hoje, João é reconhecido em verso e prosa. Seu saco de pano desapareceu. Sua vestimenta idem. Não se viu mais a cabeleira preta assanhada, a pele preta escurecida mais pelo sol, os pés bem largos, os dedos dos pés espalhados e a sola dos pés carrancudos.
João remexe-bucho ainda permanecerá na história de Juazeiro do Norte. João remexe-bucho jamais se manterá na ciência Folclore.
Afinal, quando se diz que personagem lendário não é real, isso significa que ele é fictício, vindo de conto ou crônica, de lenda ou mito, e não de uma pessoa que realmente existiu.
JN. Dantas de Sousa