Sexo é lindo, mas... (Dantas de Sousa) - conto

 Dona Valentina Bitu de Noronha, senhora destacada na sociedade do Cariri, apreciava boa conversa entre amigos e amigas. Gostava de literatura e de música, além de outras artes. Conhecida no meio popular como a viúva do coronel do exército brasileiro Joaquim Ferreira de Noronha, ou coronel Noronha. Quando vivo o marido, chegou ela a viajar com ele por diversos lugares do Brasil e do exterior. Na sua residência, havia lembranças de viagem, espalhadas pela casa. Muitos até comentavam que a casa de Dona Valentina se decorava feito museu. 
Após a morte do coronel nos seus setenta e oito anos, Dona Valentina tirou o seu fervor de andar por diversão e prazeres. Reprimiu as viagens, nos seus cinquenta e três anos, porém abriu a sua residência para encontro com amigos e amigas. Raramente frequentava eventos sociais.
Preferiu Dona Valentina organizar na residência, em fim de semana, momento cultural. Devido a sua etiqueta e ao seu gosto por arte, os avessos a isso se afastavam da lista da Vivenda das Flores, a chácara de Dona Valentina. Lá, o que ela caprichava mais era prender o olfato e o paladar dos convidados. Auxiliavam-na as suas três empregadas: Dora, Maga e Gracinha, especialistas em culinária, adega e etiqueta. 
Numa noite de sexta-feira de setembro de 1986, na Vivenda das Flores, achavam-se o seu psicólogo doutor Manuel Menezes de Almeida com sua esposa doutora Alexandrina Siebra de Almeida, nutricionista. Um casal sem filhos e estudiosíssimos, de origem recifense. Naquele momento agradável, no espaçoso terraço bem-iluminado e arejado, em meio ao espetacular gramado, palmeiras e estátuas, o casal e Dona Valentina se inebriavam de vinho, comida e música instrumental, por um terceto.     
No meio da conversa, Dona Valentina se lembrou de um casal de amigos. Numa sexta-feira à noite, em início de dezembro de 1975, a presença do casal lhe fora deliciosa, uma vez que eles raiavam o papear atraente. Marcou aquela noite a última dos dois, pois logo após morria o querido juiz trabalhista, e a sua esposa não pode mais frequentar a Vivenda. Mas voltando a noite de sexta, em certo instante, o convidado acentuou com precisão:
- Valentina, sexo por sexo é fuga. Mas sexo com consciência é amor.
Acatou Dona Valentina a profundeza das palavras do juiz. Por isso, ela apreciava acolhê-lo na casa. Ele puxava o assunto para depois ouvir o outro.
                                                  ***
Após Dona Valdemira apresentar-lhe a declaração do seu finado amigo juiz, doutor Manuel de Almeida lhe pediu com educação um instante para ele relatar um fato que se passara consigo numa manhã de sábado, quando se dirigia a Barbalha, de ônibus. Não iria ele, naquele dia, dar plantão no hospital barbalhense. Resolvera conversar com amigos numa praça do centro. 
Dentro do ônibus, ia sentado ao lado da janela aberta. Lia na revista católica o artigo de um psicólogo. Escrevia ele sobre orientação sexual na adolescência. Segundo afirmava, as formas de relacionamento entre adolescentes causavam grandes preocupações na sociedade. No entanto, para o autor, trazia-lhe estranheza observar o descaso e o desrespeito com que o assunto sexo era tratado por diversos especialistas. 
Ao estar preso ao texto da revista, doutor Manuel de Almeida não se importou com o passageiro que se sentara do seu lado. Mas sentia-se incomodado com o rapaz a querer saber o que ele lia. Sem lhe pedir licença, o rapaz pôs o dedo sobre a foto do texto e lhe mostrou a sua opinião: “Que coisa horrível, senhor. Como essa, sem responsabilidade, muitas têm filho. Quem planta vento colhe tempestade”.
A continuar incomodado Manuel de Almeida lhe sorriu, e mais pelo provérbio no final de sua fala. Procurou não lhe comentar nada e se deixou navegar os olhos para fora do coletivo. De novo o rapaz insistiu, ao apontar-lhe o dedo indicador pela janela: "Veja os dois se beijando ali? Logo ela vai estar grávida e sem preparo para ser mãe".
Fechou o psicólogo a revista. Buscou lhe mostrar as consequências da vida sexual antes e fora do casamento: pais solteiros, filhos abandonados, órfãos de pais vivos, além de abortos, adultérios, destruição familiar, doenças venéreas, AIDS etc. 
Enquanto lhe falava, observou dois passageiros, sentados nas duas cadeiras da fila ao lado, a prestarem atenção à conversa dos dois. Doutor Manuel de Almeida explanava ao rapaz que nunca, como na atualidade, tão solto está o pecado da luxúria. E ainda se alastra pelos meios de comunicação. Mas o rapaz lhe cortou a palavra: "Estamos invadidos por um mar de lama, a trazer imoralidade para dentro das casas, sem respeitar crianças e velhos".
Antes de concordar com o rapaz, a mulher idosa da cadeira da frente, virou-se para trás e pediu aos dois licença para falar. Apresentou-se católica e perguntou-lhes se eram evangélicos. Sem os deixar responder, ela emitiu seu pensar: “Sexo é lindo, mas quando ele sai do plano de Deus, se dá um verdadeiro desastre: se explode como bomba atômica”. 
Tanto o psicólogo como o rapaz não aguardavam ouvir aquilo. E o senhor de boné, camisa rubro-negra completou: “Me desculpe intrometer na conversa de vocês. Mas essa tal de camisinha foi levando a fazerem sexo sem rédea. Eu acho que é grande mentira se dizer que camisinha é segura. Tive um caso lá em casa: minha terceira filha se engravidou com ela. Só digo uma coisa: essa história de liberdade pra sexo já se tornou safadeza. Só serve pra aumentar a prostituição e a população. Tem mais, depois de homem com homem e mulher com mulher… Deus tenha piedade deste mundo”.
Pairou o sopro de silêncio dentro do coletivo. O psicólogo observou estar diante de dois motéis. Meditou: a exploração comercial do sexo atinge níveis assustadores. Colocando o ser humano, especialmente a mulher, no baixo nível de dignidade. Aproximaram-se dele sutis indagações: será que Deus iria sempre ficar indiferente a essa luxúria? Será que a própria natureza humana iria deixar de reagir contra tanta bestialidade que hoje se pratica nas tevês e nos filmes? Será que essas iniciativas assistenciais conseguirão baixar o alto índice de gravidez precoce? Ou, ao contrário, acabariam incentivando ainda mais a prática sexual entre adolescentes?... 
Teve de voltar à realidade doutor Manuel de Almeida. O rapaz do seu lado chamou o psicólogo a sair do seu silêncio: “Acho que o senhor sabe, sendo mais velho que eu: a fornicação é sexo fora do casamento. E é um pecado sem controle”. 
Por aquilo o psicólogo não esperava ouvir. Perguntou-lhe se ele tinha certeza do que lhe dissera. Ao que ele, rápido, lhe respondeu, como se fosse um adulto com suas convicções formadas: “A satisfação do sexo, senhor, não está presa ao corpo. Deve estar atrelada ao coração, ao espírito e à mente. Sem amor e compromisso, o sexo torna-se vazio, perigoso e banal.”. E terminou de expor seu ponto de vista já em pé, a se aprontar para descer na entrada de Barbalha. Despediu-se do amigo, sem saber quem o era. 
Após ouvir as palavras do seu psicólogo, Dona Valentina proferiu sua opinião: "Quantas pessoas, doutor Manoel de Almeida, destruíram-se e se destroem porque foram insanas com os próprios corpos. O desrespeito ao corpo, seja pela impureza, ou por vícios e imprudências, compromete a integridade e a dignidade da pessoa, que é, na verdade, o templo de Deus".
A conversa dos três foi impossibilitada de continuar devido às funcionárias de dona Valentina os convidarem para a hora do jantar. Lá do jardim, ouviram o relógio de parede, dentro da luxuosa residência, bater dez pancadas noturnas. Para os três, a noite os convidava a se saciar do glamoroso Vivenda das Flores, a residência de Dona Valentina feito museu.
JN.Dantas de Sousa

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