Duas histórias parecidas (Dantas de Sousa) - conto

    No festivo almoço de sábado, maio de 1999, uma centena de convidados comemoraram as bodas de ouro do casal Agripino Leitão Nobre, próspero fabricante de sandálias de borracha, e sua esposa Idelzuíte Valente Nobre, devotada mãe de oito filhos. Na reformada e ampla residência do bairro Lagoa Seca, observava-se maioria de casais com filhos. Esses, na piscina e na bica de pedra, exageravam a gritaria.
     Separado dos demais convidados, membros de clube social de Juazeiro do Norte, do qual fazia parte Agripino, conversavam e bebiam, numa junção de dez mesas. Saíam duma conversa e já entravam noutra. Daí que Coelhinho, admirado pelos companheiros por ser contador de causos, havia findado de contar um fato semelhante, ocorrido em Juazeiro do Norte, o qual ele ouvira no jornal do meio-dia, em rádio FM.
      De imediato, o presidente do clube social, ginecologista Tobias Aguiar Barreto, pediu a palavra para também contar dois fatos semelhantes. Logo aguçou a curiosidade do grupo. Silenciaram, sem deixarem de beber e comer. Assim, doutor Barreto introduziu a sua primeira história, ao se referir à idosa viúva, amiga íntima de sua família, a qual se chamava dona Lulu. 
      Dona Lulu, na cadeira de balanço da entrada da residência de doutor Barreto, conversava com ele e esposa, num domingo pela manhã. O que a viúva lhes narrou deixou o casal impressionado. Mas depois do almoço e da despedida, doutor Barreto resolveu, deitado na sua rede da sesta, reviver aquele acontecido. 
        Como doutor Barreto conhecia bem o interior da residência de dona Lulu, procurou dirigir-se mentalmente até o corredor da casa dela, a céu aberto. Debruçou-se na janela do primeiro quarto de dormir que, na época do fato ocorrido, não era o atual quarto de dona Lulu, porém o da sua finada sogra, dona Antônia Feitosa. 
Sentiu-se doutor Barreto como se estivesse no corredor daquela casa, a olhar pela janela o quarto da sogra de dona Lulu. Dentro do quarto, achava-se de costas para a janela dois senhores de ternos brancos em pé e o padre Cícero Romão Batista, sentado diante de dona Antônia Feitosa, que estava acamada há duas semanas.
    De olhos fechados a rezar, o sacerdote rezava de cabeça baixa. Padre Cícero havia sido chamado com urgência a fim de lhe passar algum remédio caseiro, à base de folha do mato. Segundo dona Lulu, naquela época a sua sogra, logo após a viuvez, começou a se sentir mal. A doença repentina levou-a à fraqueza, ao ponto de seus familiares aguardarem a sua morte.
    A permanecer de olhos fechados e com a mão sobre a cabeça da mulher, padre Cícero meditava. De repente, ele abriu os olhos. De modo sereno, declarou aos dois homens de ternos brancos no quarto que a doente não se encontrava para morrer, porém estava grávida. Para surpresa dos dois, o sacerdote adiantou que a mulher iria ter um menino. Em seguida, determinou que fosse preparado um caldo de caridade, a fim de ajudar a fortificá-la.
    Ao concluir o fato, o silêncio de doutor Barreto deixou os companheiros reflexivos. Por isso, doutor Barreto ensaiou uma breve explicação. Como ele havia se envolvido com a história, buscou pedir a dona Lulu mais informação.
    E ela o satisfez: a criança de sua sogra dona Antônia Feitosa se tornou esposo de dona Lulu. Chamava-se Antônio Feitosa, comerciante em Juazeiro do Norte, no ramo de joias. Ele, numa das viagens suas a negócio pela Bahia, conhecera dona Lulu. Após o casamento naquele Estado, Feitosa trouxera para Juazeiro do Norte. Ficaram residindo na casa dos pais de Feitosa. Antes da morte deles dois, deram eles ao casal a residência para morarem. E foi nessa residência que dona Lulu ouviu essa história pela boca de sua sogra, dona Antônia Feitosa. 
    - E qual o outro fato, doutor Barreto? - provocou Agripino Leitão, a limpar os dentes com o palito. 
    A provocação do dono da festa prendeu a curiosidade dos ao redor da fila de dez mesas juntas. Após instante de silêncio, doutor Tobias Barreto revelou-lhes: “Após aquela visita de dona Lulu lá em casa, minha esposa lhe narrou o que ouvira no salão de beleza, pela amiga Aparecida.
    A sogra de Aparecida, dona Adelina, desde que se casara, desejou ter filho, porém não conseguia engravidar. Devido ao desespero, chegou a adoecer gravemente, tendo de se hospitalizar. Segundo seu médico, dona Adelina deveria, com urgência, se operar de vesícula. 
    Entretanto, ao se encontrá-la no quarto do hospital do Crato, durante a madrugada que antecederia a sua operação, dona Adelina, sozinha no quarto, acordou-se sobressaltada. Havia sonhado com o padre Cícero.
    Ele se aproximou dela. De voz serena, anunciou a ela não ser a doença que lhe afirmavam ser. No mesmo sonho, padre Cícero lhe declarou a se preparar para ter filho. 
    Sem nenhum dos presentes na fila de mesas juntas esperarem, dona Constância, esposa do ginecologista, em pé e de voz vibrante, concluiu a história do marido, de modo rápido: "A mulher grávida pariu o marido de Aparecida".
       JN. Dantas de Sousa

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