Nem aprende, nem entende (Dantas de Sousa) - conto

Ao ir para a chácara com a família aos finais de semana, José Paulino Alves tinha costume de receber visitas do arredor. Sobretudo as de conversa simples, de valores humanos. Um deles foi Vicente Pedrosa dos Santos. Após ele se sentar na cadeira de balanço no alpendre, o advogado Paulino Alves lhe ofereceu café, para prendê-lo na conversa. Preferia se calar para deixá-lo falar. 

Vicente Pedrosa residia a meio quilômetro de doutor Paulino. Ambos, moravam no distrito Gavião, em Juazeiro do Norte. O primeiro encontro dos dois se deu durante habitual caminhada do advogado Paulino Alves em tarde de verão de novembro.  

Durante o percurso, Vicente mostrou ao doutor Paulino como pessoa de caneta chega a tratar os outros: “Doutor Paulino, hoje os de estudo não tem educação como antigamente”. E logo lhe mostrou o exemplo: Se um acompanha outro, quem é mais novo caminha pelo lado da estrada, como se acompanha mulher pelo lado direito.

O advogado retrucou Vicente: se o que ele lhe dissera não estava ultrapassado? E logo veio a sua resposta: "Doutor Paulino, melhor é a gente ser de direita e não cheia de direito". Antes da fala do advogado Paulino, Vicente se adiantou: "Isso se aprende com os pais, que ao andar na calçada, idoso e senhora ficam do lado direito, próximo à parede. 

Vicente Pedrosa ainda relatou dois casos. Chegou a livrar seu pai de um acidente, quando o empurrou de vez contra a parede. Se o pai tivesse vindo do lado da estrada, o carro o teria atropelado, já que o ancião perde o reflexo de pessoa nova. E o outro caso se deu quando a tia de Vicente quase se esbagaçava no chão, se não fosse o filho dela, adolescente, ajudar encostar a mãe no portão de uma casa da rua. Por causa de uma casca de banana estendida na calçada. Terminou de contar esse segundo caso, no portão de entrada para a chácara do doutor José Paulino. Despediram os dois.  

No final de semana Vicente, após o casual encontro, apareceu na chácara do doutor. Chegou satisfeito, pelo doutor convidá-lo a frequentar seu sítio. Nesse dia, os dois passaram a tarde inteira a conversar, beber café e comer guloseimas. 

Em início de prosa, Vicente Pedrosa trouxe àquele assunto da caminhada. Explicou ao doutor que, quando vai cruzar uma rua, sempre deve se fazer pela distância mais curta e nunca em diagonal. Como também na faixa de pedestres, deve atravessar a rua por cima dela, e mais, todos devem prestar atenção aos semáforos. Completou seu ensinamento ao relatar de que poucas pessoas atravessam a rua sobre a faixa, e que ainda há motoristas que não param os carros para as pessoas atravessarem a rua.

Contou ainda um caso de grande desrespeito ao transeunte. Ele mesmo assistiu a um, na Rua São Francisco, esquina da Rua do Cruzeiro. Uma moçoila, de tatuagem pelo corpo, deu o seu braço para a idosa se apoiar nela. Ao chegar perto da outra calçada, a louca empurrou a velha que se estendeu no  asfalto da rua. Pior foi a gaiatice do povo ao ver a coitada de quatro, parecendo menino novo querendo andar. Um grosseiro meteu foi o dedo na buzina da camioneta dele, como se tivesse metendo no rabo dele o dedo para coçar hemorroidas. 

Levantou-se da rede o advogado para rir as hemorroidas do motorista mal-educado. Mas para provocar Vicente Pedrosa, revelou-lhe que o tempo havia mudado. Os pais não tinham mais tempo para ensinar civilidade aos filhos. As escolas, muito pior. Até o País desprezou educar e ensinar civilidade. 

Para que doutor José Paulino lhe atirou essas palavras, Vicente se agoniou. Levantou-se da cadeira, coçou a cabeça. Em seguida, revirou os olhos para cima, como se estivesse pensando no que iria falar. Antes de voltar a se sentar na cadeira de balanço, Vicente Pedrosa puxou outra situação da falta de civilidade das pessoas.

Dentro do ônibus, é cheio de diversa falta de educação: passageiro que entra não deixa passageiro de dentro sair primeiro do ônibus. Velho e criança são quem mais sofre. Na calçada, ancião é atropelado por jovem e até por adulto. E terminou a sua fala: "Hoje em dia, doutor Paulino, me diga quem dá seu lugar pra uma pessoa velha se assentar?”.

Quando pensei em lhe falar algo, Vicente Pedrosa já entrou em outro fato. Dentro do ônibus, em Fortaleza, ao ir com a filha ao cardiologista, duas jovens pegaram briga com o casal de velhos, só porque eles reivindicaram às duas o direito de se sentarem. Mas quando o casal foi pedir ajuda ao motorista, o próprio motorista mandou o casal de idosos descer, ou ir em pé. Para ser mais grosseiro, o cobrador ajudou o motorista, ao ironizar o casal de velhos: “Vocês não pagam e ainda quer do bom e do melhor”.

O advogado chamou a atenção de Vicente Pedrosa para as  leis que amparavam os idosos. Mas isso lhe causou revolta. Ele pulou da cadeira e, agarrado à coluna, como para não cair de tanto nervoso, protestou com o dedo indicador estendido para o advogado: “Doutor Paulino, não me faça de besta. As leis do nosso País são como folha de papel higiênico: têm vida curta, depois dela sair do rolo”.

Devido a essa tirada, José Paulino Alves gargalhou e aplaudiu Vicente Pedrosa. Empolgou-se ao lhe adiantar que seres humanos obedecem a três coisas: a princípio, à lei e a cassetete. E continuou com vontade: "Onde há gente civilizada a força policial é menos forte. Liberdade e autoridade devem estar sempre ligadas uma a outra e não opostas. A História registra casos da liberdade que virou devassidão".

- Doutor Paulino, me dê um instantinho. - e Vicente Pedrosa em pé, a se preparar para sair, também lhe mostrou sabedoria: "Acabou-se o tempo do aprender e o do apanhar. Hoje em dia, nem apanha, nem aprende. Nem aprende, nem entende". 

Ainda deu continuidade do que tinha dentro dele para o doutor Paulino: o que há de lixo na rua, pouca calçada para se trafegar. Parede entupida com pintura de louco,  banco de praça quebrado, estátua derrubada, fio roubado, vizinho a botar som em toda altura... Se fizer uma lista de coisa errada que o povo deseducado faz, chega de manhãzinha, e não se dar fim nela. No Brasil, - é de-vera - nem aprende, nem entende.

Ao final dessa explanação, terminou assim a conversa. Vicente Pedrosa deixou  José Paulino Alves no silêncio da noite entre reflexões, deitado na rede, no alpendre. E se iluminou no advogado o pensamento de que quanto mais o ser humano é proibido de fazer uma coisa tanto mais tem vontade de fazê-la. 

Antes de sair da rede para jantar, José Paulino refletiu consigo: "Do jeito que os dias passam o Brasil deixa de ser país educado". Mas para quem ele iria dizer isso? O primeiro nome surgido, Vicente Pedrosa. 

JN. Dantas de Sousa

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