Todas as mães têm as suas histórias. Muitas foram para
a eternidade sem deixar, pelo menos, uma só linha escrita. Mas não é o caso de
Maria Luíza Lima Torquato. Após o marido aposentado do Banco do Brasil ter
sido assassinado covardemente, na calçada de sua residência, a esposa continuou
morando na mesma chácara mais Sebastiana, a empregada e amiga fiel. Os três
filhos casados residiam pouco distante dela. Então, para se afastar da solidão,
resolveu ocupar-se em escrever, que era sua diversão preferencial desde
adolescente.
Numa tarde de sexta-feira de maio de 1978, Maria Luíza
telefonou para sua prima, a professora Isabel Rocha Siebra, que morava numa
cidade próxima de Juazeiro do Norte, com o marido e um casal de filhos
solteiros. Maria Luíza lhe pediu chorando para ela vir até a sua casa. Antes de
desligar o telefone, avisou à prima que Sebastiana já preparara o lanche da
tarde.
Imaginando ser algum problema do câncer de mama, Isabel
Siebra dirigiu-se logo após o telefonema. Ao chegar à residência da prima
Maria Luíza, ela tranquilizou-se ao vê-la alegre e sem dor. Sebastiana logo
veio servir o lanche às duas, a fim de não atrapalhar a conversa delas. Assim,
durante o lanche, as duas primas divertiram-se em conversas familiares,
notícias da sociedade e sobre o câncer de Maria Luíza.
Esse último assunto fez Maria Luíza levantar-se
da mesa e convidar a prima Isabel para dirigir-se ao quarto de dormir. Lá, após
a prima sentar-se na cadeira de balanço, ela abriu o guarda-roupa, retirou da
gaveta três cadernos grandes e volumosos. Mostrou-lhes a prima professora e pôs
os três no colo dela. No ímpeto de curiosidade, Isabel abriu o primeiro.
Viu que estava todo escrito de caneta azul e caligrafia rara de se ver. Antes
de abrir os outros dois, Maria Luíza lhe adiantou que ela era a única pessoa a
poder guardá-los, ou até mesmo divulgá-los, após a sua morte. Tudo porque,
segundo ela, a prima Isabel era amiga dedicada a ela, leitora admirável e,
ainda, professora de Língua Portuguesa.
Após conversarem mais, e já que se preparava para
anoitecer, iniciaram a despedida com abraços longos, regado a intenso choro. No
entanto a prima Isabel saiu de lá com pressentimento da breve morte da
queridíssima Maria Luíza. E já em sua residência com o inesperado presente, ao
invés de correr para ler os três cadernos, resolveu guardá-los onde só ela os
acharia. Planejou lê-los ao chegar às férias de julho.
Passaram-se as férias de julho de 1978, e ela não leu
os três cadernos. Somente no período do recesso escolar entre final de dezembro
e janeiro de 1979, a prima iniciou à leitura dos cadernos. No entanto, sem
Isabel esperar, a dois dias para reiniciar às suas aulas, ela recebeu por
telefone a notícia trágica: Maria Luíza havia falecido.
Aumentou em Isabel o arrependimento de não ter lhe
falado, nas duas visitas últimas, que estava a ler seus cadernos. Aumentou nela
também, após o enterro de Maria Luíza, a vontade de ler a prima. E quão a sua
enorme surpresa! No primeiro caderno, Isabel achou o episódio fantástico. Este
foi o adjetivo que ela se expressou ao término da história.
Impressionante. Maria Luíza Façanha Torquato revelou a
Isabel o período da sua vida, em Juazeiro do Norte, quando o marido trabalhou
como funcionário do Banco do Brasil. A prima narrou, com detalhes, a morte dos
dois primeiros filhos.
Após o marido ser transferido para outra agência no
Cariri, a fim de assumir o cargo de gerente, Maria Luíza engravidou quatro
vezes. Contudo sofreu ao assistir a eles falecerem. Vale ressaltar que os seis
filhos nasciam, adoeciam e, antes de completarem três anos, todos os seis foram
à óbito.
Devido a esses fatos trágicos, o Banco do Brasil
retornou o marido dela, ainda como gerente, para Juazeiro do Norte. E aconteceu
que Maria Luíza engravidou pela sétima vez. Mais uma vez ela se alegrou ao ver
nascer uma mulher. Entretanto uma semana após, a filha veio a falecer. Dessa
vez, Maria Luíza não conseguiu derramar lágrimas sobre o caixão, na sala de
visitas.
Em meio a esses fatos trágicos ocorridos na família,
surgiu algo inesperado que mudou a vida do casal. Durante o velório da menina, uma
anciã mendiga se achegou ao caixão. A desconhecida se postou em silêncio ao
lado do esquife e diante de Maria Luíza. Balbuciava nas contas do seu rosário.
Até terminar a reza, demorou a anciã cerca de hora e meia, sem tirar os olhos
da face da criança morta.
Nenhum dos presentes, nem o pai, nem a mãe, ninguém sabia
quem era a mulher. Por isso, a sala voltou a se encher. A curiosidade e os
cochichos aumentaram, para descobrirem a procedência da desconhecida.
Quando a anciã levantou a voz pausada, de dedo
indicador para Maria Luíza, do outro lado do caixão, a sala se esborrotou para
ouvir a estranha declaração: "Não se preocupe não, amargurada filha. As
crianças que você vai dar à luz, em futuro próximo, não vão morrer como essa
criança".
Em meio à amargura do instante, Maria Luíza esboçou
para a anciã sorriso de descrença. Logo a desconhecida motivou o
burburinho das mulheres. Alguns homens soltaram opiniões contrárias à mendiga.
Somente a anciã e a mãe permaneciam em silêncio, a olhar o cadáver no pequeno
caixão. Precisou, então, o pai intervir, ao anunciar a hora do enterro.
Depressa, a anciã, de voz grave, ordenou para a mãe:
"Tire agora a roupa da criança. Depois pegue a roupa e guarde ela com
todo cuidado, até a chegada do que vai nascer. Quando ele nascer, vista o
nascido e quem vier depois, com essa mesma roupa".
- A senhora está louca? Deus me livre.
- Não acredite em superstição, amargurada filha.
Ao término do aviso da desconhecida, Maria Luíza se encheu de coragem. Não aceitou interferência de marido, nem de ninguém. Agiu conforme a ordem da anciã. Pegou a filha, retirou-a do caixão. Algumas mulheres o ajudaram. Por fim, recolocaram a criança com uma roupa comprada rápido no Mercado Central.
Maria Luíza guardou a roupa da sétima criança falecida em seu guarda-roupa. Pois bem, no nascimento de um filho e de uma filha, Maria Luíza os vestiu com a mesma roupa. E os dois sobreviveram. Interessante que nem a mãe, nem ninguém presente naquele velório, jamais descobriram algo sobre a misteriosa anciã.
JN. Dantas de Sousa