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Um animal macho (Dantas de Sousa) - conto

No pequeno restaurante Matutim da Carne, cinco fregueses na fila esperavam seus pedidos saírem. À frente da fila, o freguês da vez se mostrava apressado. Começou a criticar para os quatro fregueses atrás dele que o churrasqueiro era vagaroso, parecendo aprendiz na profissão. E levantou sua voz: “Ô churrasqueiro, sai ou não sai isso aí. Minha cerveja já está quente lá em casa, e eu aqui nessa eternidade”. 

As reclamações dos da fila aumentaram que até o dono do negócio veio de lá de dentro da casa. Dirigindo-se ao churrasqueiro, ordenou-lhe que apressasse as encomendas. Mas o empregado começou a reclamar do fogo e, ainda, lhe respondeu que ele mesmo não era fogo para assar mais rápido que aquilo.
- Vá com calma pra não queimar, dirigiu-se o quarto da fila ao churrasqueiro. E alteou a voz: - Como é seu nome, cara? 
De pronto, o churrasqueiro lhe respondeu, em voz alta: “Meu nome é Daniel, meu chapa. Sou filho de Seu Honório do Brejo Seco. Você conhece ele?". Mas o mesmo freguês respondeu ao churrasqueiro que conhecia pouca gente na cidade. Residia há cinco anos em Juazeiro do Norte, e a família dele como a da sua mulher eram todos do município de Porteiras, no Cariri. 
Tiveram de parar a conversa devido à gritaria dos três fregueses da mesa da frente. No Matutim da Carne, outros fregueses voltavam à atenção para a mesa barulhenta. O de boné vermelho, com escudo do time Guarani Sport Club, esculhambava Lula e os petistas. Os dois rapazes, com bonés verdes do time do Icasa, defendiam-nos. A política com álcool aumentava a discussão. Os três nem se importavam com as moscas a pousarem no prato de carne com macaxeira sobre a mesa.
Entretanto, naquele pequeno restaurante, ninguém ali esperava a surpresa penetrar na discussão. Ao abandonar a churrasqueira, Daniel se meteu no meio dos três rapazes. De voz mansa, pedia-lhes calma em voz baixa. Mas o rapaz de boné do Guarani levantou o dedo indicador em direção ao rosto de Daniel, proferindo sério, em meio ao silêncio no recinto: “Eu prestei atenção às suas palavras. Pois agora eu vou dizer quem é o Seu Honório do Brejo Seco. Ele é meu pai”.
- Como é que é? - Daniel atordoou-se. - Pensava que pai... 
O rapaz apresentou-se a Daniel como José Tiburtino Honório, filho de Augusto Rodrigues Honório. E foi além: indagou de Daniel se ele era filho de qual das seis mulheres. Naquele momento, no Matutim da Carne, abriu-se a cortina para iniciar a peça teatral. Os fregueses da fila e das mesas logo se sentaram em silêncio. 
De modo vaidoso, Daniel começou a história do seu pai. Iniciou-a com a máxima de seu pai ter sido um herói, por ter sustentado seis mulheres e filhos. Mas nunca largou sua mãe, a legítima.
E Daniel não parou de falar. Fez o mapa das seis mulheres: a primeira, a sua mãe, Dona Francisca Moreira, ainda morando no Brejo Seco, na casa que o pai Augusto Honório mandara construir. Ainda, ele deixou para ela uma pensão de um salário e meio. Quatro filhos dela com o pai estavam todos casados. 
A segunda mulher, a Santina, ainda mora no bairro das Malvas, com casa dela própria e dois filhos já casados. Também aposentada por seu pai, com um salário e meio. Ele havia deixado para ela um terreno perto do rio Salgadinho, com árvores frutíferas, água que não faltava e duas cisternas boas. 
A terceira, a Joana, vivendo meio adoentada, possuía sua casa própria, deixada por seu pai, no bairro Pio XII, com aposentadoria de um salário e meio. E dois filhos já casados e trabalhando. 
A quarta, a Esmeralda, depois de aposentada com salário e meio, casa própria no bairro do Socorro, inventou de se casar de novo e arranjou mais um filho, do marido com quem ela vive. 
A quinta, tão jovem ainda, a Sandra, pegou filho por displicência. Seu pai, antes de morrer, viu o filho dele com Sandra homem formado e professor da prefeitura de Juazeiro do Norte. Ela também recebeu casa própria, no bairro Triângulo. Foi a que deu mais trabalho para se aposentar. Seu pai pagou mais ao funcionário do INSS, o qual aposentou-a com salário e meio. 
A sexta foi a Clara. Ela trabalhou na casa do Brejo Seco, a da sua mãe. Mas um dia seu pai inventou de levá-la para casa dos pais dela na camioneta da sedução, como era vista em Juazeiro do Norte. E engravidou-a. A mãe de Daniel não aceitou a Clara na casa do Brejo Seco. Então seu pai deu à Clara uma casa do bairro Casas Populares. E, antes de morrer, aposentou-a com salário e meio.
Ao terminar a lista das mulheres de Augusto Honório, Daniel se sentou, em silêncio. No entanto, foi surpreendido por José Tiburtino Honório: “Mas você não sabe nada sobre a sétima mulher do nosso pai”.
O Matutim da Carne parou de todo. A churrasqueira ficou de lado. Até o proprietário do Matutim se achava sentado para ouvir a notícia: “A primeira mulher de Augusto Rodrigues Honório é a minha mãe, dona Valentina Tiburtino Honório”.
Daniel arregalou os olhos, porém aguentou a declaração calado. E José Tiburtino Honório começou o epílogo da peça de teatro realista no Matutim da Carne. De pé, iniciou a sua fala: ele era conhecido por Zé Honório. Sempre morou na Rua Santa Rosa, próximo à Rua Santa Luzia, no centro de Juazeiro do Norte. Seu pai, Augusto Rodrigues Honório, antes de se juntar com a mãe de Daniel, era casado na igreja e no cartório com dona Valentina Tiburtino Honório, que falecera após a morte do pai e enterrada no cemitério do Socorro. Ele era filho único, já que sua mãe, quando soubera do caso com a mãe de Daniel, não quis mais saber de ter sexo com o marido. Mas já que ele lhe rogou demais o perdão, ela lhe perdoou, contanto que levasse a Francisca para bem longe dela. E o pai lhe deu a casa do sítio do Brejo Seco.
Antes de Augusto Rodrigues Honório falecer, aos oitenta e um anos, José Tiburtino Honório presenciou o pai, deitado na cama, no quarto da casa da Rua Santa Rosa, a chorar copiosamente, agarrado na mão de dona Valentina Tiburtino Honório, que lhe perdoou com estas palavras: “Eu lhe perdoo, Augusto, como sempre lhe dei o perdão. Sofri ao saber das seis mulheres que você teve e dos seus dez filhos dela. Nosso Zé Honório, Deus não quis ele casado, para ele ser minha companhia. Lhe falo agora de coração: me sinto feliz por você ter sustentado as coitadas e filhos. Não sei como você vai ir em busca de Deus nem como será lá você diante de Deus”.
No Matutim da Carne, José Tiburtino Honório deu iniciou ao epílogo teatral. Sabendo que a morte se pacientava ao seu lado para levá-lo, Augusto Rodrigues Honório soltou um suspiro profundo antes de proferir suas últimas palavras. E de modo solene, de pé diante de todos os fregueses do pequeno restaurante, Zé Honório apresentou-as de modo solene a autoconfissão do pai, ao se despedir de sua mãe e dele, seu primeiro filho: “Ele não fora um homem de verdade nesta vida, mas somente um macho. Um animal macho”.
JN. Dantas de Sousa

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