- O que aconteceu com você, compadre
Zuca. Vejo tão desanimado.
- Compadre Neco, minha mulher não tem
um pingo de consideração pra comigo. Você sabe que nós dois somos pobres. Eu
saio com minha espingarda, me arriscando com os perigos da montanha, como cobra,
animal selvagem, carrapato, mosquito... Frio até os ossos.
Quando bate a sorte,
este seu compadre consegue caçar um veado. Depois, eu tenho de carregar ele
pelas costas, sofrendo pelo longo caminho de volta, como subir a colina até minha
casa. Não termino de chegar, e minha esposa já se acha de faca na mão e começa
a distribuir o veado entre os vizinhos e seus familiares. Dá uma perna pra dona
Joana, outra pra dona Paquita, o lombo pra mãe dela, as costeletas pra sua irmã...
Aí, dois dias de novo sem nada pra comer, e o tolo aqui, de novo caçando. Já estou
tão cansado.
Diante do desespero de voltar para
casa, a mulher quase desmaiou. Nem para protestar ela teve fôlego. E acabou carregando
o veado nas costas, com as pernas tremendo, ofegando e prestes a desmaiar. Ao
chegar lá, jogou o animal na sala de sua casa.
Seus filhos e vizinhos saíram para
receber o casal de caçadores, acostumados à repartição. E todos gritaram com
alegria:
E o compadre Neco aconselhou o seu compadre:
- Convide a comadre Maria pra caçar com você. Não fale pra ela as dificuldades que o compadre passa. Pinte pra ela uma coisa bem bonita.
Assim, compadre Zuca, seguindo o
conselho do compadre Neco, chegou a convencer sua mulher. Entusiasmada, ela foi
de saia comprida. Mas, na ida, a saia da Maria se rasgou com os espinhos no
caminho. Sua blusa ficou toda danificada, os sapatos partiram nas pedras e os
espinhos a fizeram sangrar. O cabelo dela ficou maltratado e colado com insetos.
Suas mãos se encheram de bolhas e feridas. E quase que ela teve um ataque
cardíaco ao encontrar uma cobra.
Finalmente, depois de tanto martírio,
encontraram um veado. Compadre Zuca se aproximou da sua presa, atirou nele, e o
veado caiu morto. A mulher não cabia de alegria, pensando que seu sofrimento
tinha acabado. Mas ele não parou.
- Agora, minha filha, disse-lhe o
marido, carregue o veado pr’eu ver como ele é lindo,
- Vamos distribuir o veado.
A mulher deitada no chão, fez um
esforço sobre-humano para levantar a cabeça. E com os olhos injetados de
sangue, a forçar sua respiração, gritou para todos:
- Seus filhos do satanás, o primeiro que
tocar nesse veado, eu mato na hora.
